segunda-feira, 18 de abril de 2016

O Deus dos deputados






Se tem algo que é interessante de se notar é que em meio ao caos político e social que o Brasil tem vivido principalmente esse ano diante de tamanhas tentativas internas de desestabilizar o governo há algo que permanece extremamente sólido, há algo que sobressai diante de todo circo acontecido ontem na câmara dos deputados que é a tentativa sempre sórdida de usar Deus como legitimador de uma determinada ação. Era impressionante os diversos deputados que remetiam a Deus para anunciar seu voto, usavam versículos bíblicos, citavam profetas, teve um que até "profetizou" a queda da rede Globo antes de votar. Esses acontecimentos por si só já dão o que pensar a qualquer pessoa minimamente atenta ao que foi falado ontem.

Como alguém que estuda há algum tempo a Religião e sua relação com a hipermodernidade fica bastante claro que as noções de "individualização da crença", "Religião a la carte", "religião light" são boas categorias para tentar dizer a relação entre o homem e a religião nos dias atuais. Uma relação em que o que de fato importa é nada além do bem-estar individual ou no máximo o bem-estar dos mais próximos. Não é pouco sintomática a fala "por Deus e por minha família". Um pouco interessante é notar que "Deus" é generalizado enquanto a família é particularizada. O que isso quer dizer? Quer dizer que a noção de "Deus" se torna algo que pode ser utilizada a revelia sem a preocupação de ter que justificar absolutamente nada. "Deus" se transforma nessa grande muleta, não apenas psicológica (como diria Bonhoeffer), mas uma muleta social, política, moral, etc. É como se qualquer decisão estivesse legitimada pelo simples fato de recorrer a Deus como àquele em nome de quem eu falo. Tal generalização exime o interlocutor de precisar justificar de "qual Deus" ele fala. No caso da sua família a particularização é explícita. Ele não fala em nome "das famílias", mas apenas em nome da "sua família". "Deus", "povo brasileiro" "eleitores" se tornam palavras extremamente vazias de significado nesses discursos retóricos como os que foram vistos ontem.

Nessa mesma esteira a religião se torna um mero instrumento, um banquete self-service onde apenas me sirvo do que acho mais interessante sem precisar ter nenhum tipo de comprometimento com aquilo. Essa religião light, a la carte, instrumental, particularizada, sem vínculo comunitário é o que caracterizava em grande parte a posição assumida pelos diversos deputados ontem em suas falas e obviamente que o Deus implicado nessas falas não poderia ser diferente disso. Mas de qual Deus se falava naquelas justificativas? Que figura é essa a quem atribuíam tamanha importância e agradecimentos? 

Algo que permeia o imaginário brasileiro é uma noção de Deus muito advinda dos Estados Unidos por meio das evangelizações no final do século XIX, que por sua vez adveio do protestantismo pietista da Inglaterra do século XVII, que por sua vez veio herdado de um calvinismo do século XVI. Deus nessa tradição é visto como alguém disposto a interferir de forma cabal para a execução dos seus planos. É um deus que não mede esforços para fazer com que sua vontade seja feita acima de todas as coisas. É um deus narcisista, sádico que não medirá as consequências de seus atos. A antiga visão do "Deus dos exércitos" permanece no imaginário brasileiro e foi comprovado ontem de forma bastante clara. Esse Deus conclamado pelos diversos deputados se afasta enormemente da proposta cristã sobre Deus. O que tivemos a oportunidade de presenciar ontem foi que o caráter privado da crença, a noção particularizada de Deus serviu para legitimar e impulsionar os votos de diversos deputados. Citava-se a torto e a direita noções do Antigo Testamento "Feliz a nação cujo Deus é o Senhor" (Sl 33,12) "Os dez mandamentos" (Ex. 20), Salmos diversos, sem a menor preocupação contextual, sem a menor sensibilidade em relação a texto bíblico. O que se via era um uso extremamente instrumental do texto para apenas fazê-lo encaixar em uma proposta individual. Esse "Deus sádico onipresente" assumido como garantidor da moral, mas que tem absolutamente nada a dizer nos dias de hoje.

Os evangélicos neo-pentecostais que são praticamente 90% dos evangélicos do congresso nacional mantém viva essa visão desse Deus arcaico, tenebroso, que "luta contra os inimigos", que contabiliza erros e acertos para cobrar no final; um Deus que diz o que pode e o que não pode, que embasaria toda a moralidade de uma forma extremamente cruel, um Deus déspota que está apenas preocupado na obediência e que se esquece da graça. Que bom faria a esses evangélicos prestarem atenção às cartas de Paulo, aos evangelhos para verem que o Deus dito ali é algo bastante diferente desse Deus bélico pregado por vários. 

Uma das teses principais da secularização era a de que com o passar do tempo o mundo ficaria cada vez mais secularizado até chegar um ponto em que as noções sobre Deus, religião, etc se resumiriam à esfera privada. O que vemos é exatamente o contrário de tal tese. Cada vez mais, em um mundo secularizado, a religião vai adquirindo novas formas de se manter viva, quer seja pelo viés positivo, enquanto um discurso que possibilita uma esperança, enquanto um discurso que incita a ação, que não se conforma com o mundo injusto, etc. até sua face mais obscura e temível que é o fanatismo, os discursos de ódio, os discursos manipulativos, etc. Não é de se espantar que diversos movimentos fundamentalistas ganharam bastante adesão nos últimos anos não só no Brasil, mas no mundo. 

Se prestarmos atenção ao relato bíblico, e isso desde o Antigo Testamento, perceberemos que a noção de  Deus até mesmo em Israel vai evoluindo com o passar do tempo culminando na visão do Deus anunciado por Jesus. O Deus que Jesus anuncia é antes de tudo um deus dos marginalizados, um deus em que o valor da pessoa humana se sobressai sobre qualquer interesse econômico, um deus que vê como inadmissível qualquer relação humana que não se paute pela noção da graça e do amor. O deus cristão é um deus que não fala por meio de ninguém, mas age por meio de muitos. Basta lembrarmos que nos relatos sobre Jesus nunca se vê ele anunciando algo como quem fala "por Deus", mas sempre como quem age "por meio de Deus".

Walter Benjamin na década de 20 do século passado escreveu um texto muito interessante chamado "o capitalismo como religião" em que mostra como que o capitalismo se tornou onipresente a ponto de funcionar em grande parte como uma religião, mas uma religião extremamente fundamentalista que não aceita nada além da devoção total do indivíduo, sem dogmas, sem dia sagrado, sem pausa, mas perene e dominativa. O Deus dessa religião é apenas o dinheiro, que no mundo do capital significa também outra coisa, poder.  E nada mais importa. Obviamente que em nossos tempos hipermodernos esse "dinheiro" se configura também de várias outras formas que apenas "notas e moedas", mas tem a ver com terras, bens, negócios, etc. O Deus dos deputados que discursaram ontem não é outro senão esse. Mas como o capital não possui um texto sagrado para si, a atitude perversa dos deputados foi usar o texto bíblico para legitimar seu discurso. Com isso envergonham  a si mesmos e deixam à mostra algo que  Jesus deixa bem claro nos evangelhos "Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará a outro, ou se dedicará a um e desprezará ao outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro" (Mt 6,24- NVI) 

Os que discursaram ontem em nome de Deus, muito provavelmente tinham em mente esse Deus Dinheiro que exige de todos não o amor, mas o acúmulo; não a graça, mas a relação dívida/culpa; não o comunitário, mas apenas o particular. Infelizmente temos muitos cristãos entre nós que defendem piamente o domínio do capital sobre tudo e esquecem que a proposta cristã passa longe desse Deus tão déspota.


sexta-feira, 15 de abril de 2016

O café entre o individualismo e a coletividade









Ontem foi comemorado o dia internacional do café. Muitos comentários e postagens diversas em várias redes sociais atestavam esse fato para nós e ficou bastante óbvio algo que todos nós já sabíamos de antemão, que é o fato de muita gente gostar de café. Para qualquer pessoa minimamente familiarizada com a vida dentro de uma empresa fica indiscutível o fato de que o café, esse líquido preto, é ao mesmo tempo agregador, causador de intriga, motivador, e em alguns casos até mesmo o combustível que mantém a empresa funcionando. Tirando talvez o "dinheiro", o café talvez seja o bem mais valioso de qualquer empresa e forças não são medidas para que o mesmo nunca falte.

Penso que um verdadeiro discurso motivador no ramo empresarial precisa necessariamente passar pela importância do café na vida do trabalhador. O café é quase um direito inalienável que precisa ser defendido a todo custo, se quisermos ser bem "lockeanos" nesse ponto. Qualquer discurso motivador, para ser minimamente crível, demanda essa resposta àquilo que é mais importante para o trabalhador na empresa, e nesse e em inúmeros outros casos, o café se coloca como esse objeto último de desejo sem o qual o funcionário cairia num abismo de ausência de sentido. 

Nos órgãos públicos a função do café chega a ser quase a de uma entidade que coordena todas as coisas. Na universidade em que trabalho há até um dito de sabedoria popular que diz que se tirarem o reitor nada de fato mudaria na universidade, mas se em algum momento retirasse a pessoa responsável pelo café... isso seria o caos, a barbárie instaurada. (Visão bastante pessimista)
A importância do café nos setores públicos é visível até para quem não trabalha lá. É mais que famosa a "hora do cafezinho" em que os diversos servidores se juntam ao redor do café para simplesmente ficarem ali parados apreciando o "bom" café. Pelo fato de haver geralmente "apenas o café" (pois a maioria dos órgãos públicos não oferecem nada além disso) a noção de "partilha" (no melhor dos casos) acaba se fazendo presente entre os funcionários e o café ganha ar de "reunião" feita para decidir assuntos dos mais diversos. 

Fica óbvio que o café acaba sendo essa espécie agregadora dentro do ambiente empresarial e inspira, portanto, uma questão interessante: "uma vez que o café não pode ser ens causa sui, isso demanda que perguntemos sobre qual o agente, ou qual a causa eficiente (para falar igual Aristóteles) que faz com que o café deixe de ser uma mera "ideia agregadora" e passe a ser de fato esse "elemento agregador" que habita entre nós. Colocando de outra forma; Quem faz o café? (Obviamente que a pergunta só faz sentido em setores onde não há uma pessoa responsável para esse tipo de trabalho. Em um setor em que há uma "copeira" ou alguém responsável por fazer o café, essa pergunta simplesmente não se coloca, pois a existência do café é garantida por uma causa eficiente fixa)  E aqui há algo bem interessante, pois a meu ver, a disposição evidenciada em se fazer o café "para todos" remete ao grau de coletividade de um determinado setor. Quanto mais plural for a lista dos que fazem o café para todos, mais coletivo é o setor. E da mesma forma, quanto menos plural for a lista do que fazem café para todos, mais individualista é o setor. 

No setor público em que trabalho não há uma pessoa responsável para se fazer o café, pois com os cortes no orçamento a copeira foi mandada embora. (para os pessimistas citados acima isso seria motivo para o fechamento do setor, mas conseguimos contornar a situação) Dessa forma é preciso que os funcionários do setor se organizem para que o café de fato venha a existir. E aqui uma dinâmica muito interessante acontece, pois se percebe que a maioria das pessoas querem tomar do café, mas ao mesmo tempo não querem fazer o café. Há uma rotatividade na "fazedura do café", mas ela é muito restrita em relação  ao número de pessoas que efetivamente "tomam do café". Isso a meu ver remete a uma dinâmica de distanciamento das pessoas em relação ao setor em que trabalham. Na maioria das vezes tais pessoas, quando questionadas sobre o porquê não fazer o café para todos, respondem que não fazem porque "tomam café poucas vezes", ou porque acham que "ninguém vai gostar do meu café". São desculpas um tanto estranhas a meu ver para pessoas que não vêem distinções entre os diversos cafés que tomam no decorrer do ano. Independentemente de serem "bons cafés" ou "cafés ruins" os indivíduos tomam sem nenhum problema.

Essa dinâmica de apenas se beneficiar do café sem nunca empreender um esforço em proporcionar o mesmo para o outro mostra que há uma espécie de fissura no setor. Tal fissura que essa relação com o café atesta não se mostra apenas aparente, mas se mostra do ponto de vista estrutural, o que a meu ver compromete a ilusória (mas necessária) noção da coletividade setorial.  Afirmo que a fissura é estrutural porque ela tem a ver com a relação criada entre os funcionários de um determinado setor, i.e, tem a ver com a forma como a coletividade é construída e a forma como cada indivíduo se relaciona com a dinâmica do trabalho.

É já clichê afirmar que a nossa sociedade hipermoderna é extremamente individualista e coisas do tipo, e também já é clichê afirmar que as noções de "coletividade" "bem comum" se tornam cada vez mais "carentes de sentido" a cada dia que desenvolvemos tal modo de vista individualista, no entanto o que o café nos mostra é que até mesmo elementos que antes eram vistos como possuindo apenas caráter agregador podem se tornar em elementos que apontam para fissuras estruturais. Dessa forma o café marca esse ponto de torção interessantíssimo entre o limite do individualismo setorial e uma noção parca de coletividade que passa pelo compartilhar da "fazedura" do café.

Claro que, por incrível que pareça, há pessoas que simplesmente não se importam com o café, e talvez para essas pessoas a questão que coloco aqui pouco importa, pois nunca pensaram de fato em que medida esse café representa essa noção de coletividade de que todo setor necessita. Mesmo que tais pessoas não se importem com o café, é interessante notar que tais pessoas também pertencem ao setor e por isso também estão implicadas na relação que o café acaba representando. Diante disso acabam sofrendo as consequências de sobreviver diante da fissura setorial. Ou seja, quer nos importemos ou não com o papel que o café exerce sobre nós dentro de uma empresa, estamos todos implicados em tal dinâmica. 

Se o café se mostra como esse grande ponto de torção entre o individualismo e a coletividade, fazer o café para todos mesmo quando isso não é uma obrigação do sujeito se mostra como um grande ato subversivo e ao mesmo tempo um ato que insiste em não sucumbir à dinâmica individualista que visa a tudo dominar. Fazer o café se mostra como uma tentativa diária de manter o elemento agregador mínimo necessário para que o setor não sucumba ao mundo das mônadas não comunicáveis. Isso a meu ver dá à tarefa uma dignidade enorme e por isso tal atividade deveria ser partilhada e querida por um maior número de pessoas dentro de um setor.




quinta-feira, 7 de abril de 2016

Deus é amor. E o amor é falta !








O que amo quando te amo, ó Deus?  já se perguntava Agostinho em suas Confissões.  Santo Agostinho direciona essa pergunta a si mesmo em relação a Deus, mas podemos direcionar essa pergunta em relação a nós mesmos e o outro. E realmente a resposta é bem complicada assim como era complicada para Agostinho. A belíssima resposta agostiniana expressa lá no livro X das Confissões é algo que deve ser lido por todos nós sempre que a pergunta nos vier.

O que amo quando te amo?  O que amamos quando amamos o outro? Com certeza não amamos apenas a beleza ou a companhia, ou o fato de estarmos juntos a tanto ou pouco tempo e sermos tão cúmplices ou tão parecidos, não amamos simplesmente o perfume, os gestos, etc. Embora amamos tudo isso não é isso o que amamos quando amamos. Se amássemos apenas isso teríamos que concordar um pouco mais com Freud para o qual o amor ao outro é em última instância uma espécie de amor por mim mesmo no outro. É claro que há sempre um caráter narcísico no amor, mas isso está longe de definir de maneira mínima a complexidade do amor. Amamos mais que isso, pois amamos aquilo que não pode se nomear. Amamos aquilo que falta. E por isso amamos a poucos.

Recalcati já nos dizia que amar é dar aquilo que não se tem. É reconhecer-se como detentor de uma falta, de um desejo, e por causa disso, estar disposto a doar esse desejo àquele outro que, longe de ser aquele que tamponará a falta, acolherá tal desejo e o responderá. Da mesma forma Lacan nos dizia que o amor é sempre um amor pelo nome. Amamos o nome como significante único que coloca o sujeito como insubstituível. Nesse sentido que digo que amo aquilo que não se pode nomear, mesmo que o nome próprio do sujeito aponte para a sua singularidade há sempre algo ali que escapa. O real do sujeito é impossível de se nomear e talvez aí se encontre essa doação a que se remete o amor. Dar o que não se tem, abrir mão de se mostrar como perfeito, abrir mão de tentar ser aquele que suprirá a falta do outro, mas manter o esforço de estar sempre próximo mesmo na precariedade.

Nessa falta da qual falávamos não estaria uma possível resposta à questão agostiniana? Uma compreensão possível da definição de João que afirmava que "Deus é amor"? Esse Deus-amor que se mostra como falta não se apresenta ao sujeito como um grande vazio e que por ser vazio permite que o próprio amor circule e habite entre nós? Não estaria a experiência mística ancorada sobre essa mesma compreensão de Deus como vazio? Visto dessa forma, Deus deixa de ser visto como um "Deus da necessidade", ou seja, um Deus que se coloca como resposta possível para toda a falta que o sujeito possa ter, e passa a ser visto como "Deus do desejo", ou seja, um Deus que surge da aceitação da própria carência, visto como esse grande vazio que longe de querer tamponar a falta do sujeito se coloca como um possível horizonte para ele. E por ser horizonte, se mostra sempre em um constante devir, mas sempre presente.




terça-feira, 5 de abril de 2016

Hipocrisia e Felicidade - Slavoj Žižek







"Em psicanálise, a traição do desejo tem um nome preciso: felicidade. [...]

Num sentido lacaniano estrito do termo, deveríamos então postular que a "felicidade" se baseia na incapacidade, ou aversão, do sujeito de enfrentar abertamente as consequências de seu desejo: o preço da felicidade é permanecer o sujeito preso à inconstância do desejo. Na vida diária, (fingimos) desejar coisas que na verdade não desejamos, e assim, ao final, o pior que pode nos acontecer é conseguir o que "oficialmente" desejamos. A felicidade é, portanto, intrinsecamente hipócrita: é a felicidade de sonhar com coisas que na verdade não queremos. 

Quando hoje a esquerda bombardeia o sistema do capital com exigências que este evidentemente não consegue atender (Pleno emprego! Manter o Estado assistencialista! Todos os direitos aos imigrantes!), ela está fazendo um jogo de provocação histérica, de dirigir ao Mestre uma exigência que lhe será impossível satisfazer, expondo assim a sua impotência. Mas o problema dessas estratégia não é apenas o fato de o sistema não ser capaz de atender a essas demandas, mas além disso, o fato de que aqueles que as manifestam na verdade não desejarem que elas se realizem. Por exemplo, quando exigem direitos plenos para os imigrantes e a abertura das fronteiras, estarão os acadêmicos "radicais" cientes de que a implementação direta de tais exigências implicaria, por muitas razões, a inundação dos países ocidentais adiantados com milhões de imigrantes, criando dessa forma uma violenta reação racista da classe operária que colocaria em risco a própria posição privilegiada desses acadêmicos?
É claro que sabem, mas contam com o fato de que suas exigências não serão atendidas - e assim eles continuam hipocritamente a manter limpa a sua consciência radical sem perder sua posição privilegiada. [...]

Sejamos realistas: nós, acadêmicos da esquerda, queremos parecer críticos, apesar de usufruirmos de todos os privilégios que o sistema nos oferece. Vamos então bombardeá-lo com exigências impossíveis: sabemos que essas exigências não serão atendidas, e ficaremos seguros de que nada vai realmente mudar, e manteremos nosso status privilegiado!". Se alguém acusa uma grande empresa de certos crimes financeiros, está se arriscando até a uma tentativa de assassinato; por outro lado, se pede à grande empresa um financiamento para um projeto de pesquisa sobre a relação entre o capitalismo global e o surgimento de identidades pós-coloniais, a mesma pessoa tem uma boa probabilidade de ganhar milhares de dólares." 

ŽIŽEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do Real. Boitempo 2003 p. 79-80

sábado, 2 de abril de 2016

Transmettere ogni speranza voi che saire !














"Enfraquecido, sem nada para comer ou para beber, nas trevas, separado dos amigos e de tudo o que ama, de tudo o que conhece, caminha sem saber nada, sem esperança, incapaz até de saber se está progredindo ou girando entorno do mesmo ponto. Mas essa desventura não é nada em relação ao perigo que o ameaça. Porque se não se desanima, se continua a caminhar, é absolutamente certo que alcançará o centro do labirinto. E ali Deus o espera para devorá-lo. Mais tarde sairá dali mudado, outro, porque foi comido e devorado por Deus" (Simone Weil, O amor de Deus.) 




Transmettere ogni speranza voi che saire !