sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O juiz, o general e o Outro.




Cada um enxerga o Deus que quer, mas não apenas o Deus que quer, mas o deus que lhe é ensinado. Alguns são ensinados que Deus é um grande juiz que tudo vê o tempo todo, que está sempre pronto a encontrar uma falha para nos punir e nos condenar ao inferno eterno, ou então nos recompensar por todo o bem que fizemos na Terra durante nossa pequena jornada por aqui.

Este deus que administra uma balança e pesa todo o bem e todo o mal e feito é bem recorrente nas várias falas que ouvimos por aí em diversas igrejas, discursos, etc. A meu ver esta visão coloca a questão da salvação de uma forma bem simples. Vira uma questão de meritocracia aplicada à alma. Se você fez o bem, será recompensado, se fez o mal sofrerá as punições. Tipicamente a teologia da retribuição/deuteronômica tão criticada já nos textos de Jó e Eclesiastes.

Esta mudança da forma de ver Deus acontece até mesmo no próprio texto bíblico. O "Senhor do exércitos" é a forma como o povo de Israel via o seu Deus. Tanto que se notarmos o texto bíblico no Antigo Testamento, veremos que as constantes guerras se davam entre os povos, mas entre os deuses dos povos também. O exemplo clássico de Elias contra os profetas de Baal  tipifica esta relação muito bem. A questão ali era saber quem era o deus mais poderoso; ou seja, o deus mais poderoso seria aquele que mandaria o fogo dos céus e queimaria as ofertas do altar. Dessa forma, o "senhor do exércitos" tinha sempre que dá mostras do seu senhorio a cada batalha, e não raro vemos deus sendo descrito como um general que daria as estratégias ao povo de Israel para que estes ganhassem a batalha.

Esta visão sobre Deus condiciona também o que pensamos que Ele possa querer de nós. Se notarmos bem, não há uma proposta de "evangelização" no Antigo Testamento. Os povos derrotados geralmente eram eliminados pois eram vistos como rebeldes e desobedientes. Não há uma tentativa de converter os povos derrotados, é como se o senhor do exércitos não tivesse interesse em novos guerreiros. Podemos notar que a imagem de Deus para o povo de Israel é a de um Deus que comanda seu povo, é um Deus general, que funciona como legitimador das guerras por território. Talvez no Antigo Testamento, apenas em alguns dos salmos de Davi podemos ver esta imagem se esvaindo e se tornando mais intimista.

É bastante óbvio que a imagem que temos de Deus é fundada a partir da cultura que vivemos. Seria até interessante pensar hoje a relação ou até mesmo a volta da doutrina da teologia da retribuição sob o nome de teologia da prosperidade à luz da presença massiva do capital em praticamente todos os setores da vida.

É como que se de alguma forma, a teologia da prosperidade não mais precisasse de Deus para fazer efeito, mas apenas do pressuposto que a meritocracia é um bom meio para as coisas se encaixarem.  Se antes a teologia da retribuição colocava tudo nas mãos de Deus, chegando várias vezes a negar a própria vontade do homem em nome da vontade de Deus, (doutrina próxima a defendida por Calvino) a teologia da prosperidade coloca Deus na mão do homem. De doador, Deus passa a ser visto como serviçal que há muito tempo atrás teria feito uma promessa de honrar o mérito do seu senhor. Esta perversão da noção de "servo" na relação para com Deus é algo bem comum hoje em dia, principalmente nos meios neo-pentecostais.

Estas diversas visões a respeito de Deus poderiam ser multiplicadas ad infinitum tanto no texto bíblico e daí mostrar suas evoluções, etc, quanto se considerássemos outras culturas, ou outras religiões, etc. Esta tarefa por mais interessante que seja é impossível de ser tratada neste pequeno texto.

Para mim, as duas formas que o texto bíblico expressa de forma mais "universal" a imagem de Deus é na fala do salmista que diz: "Oh Deus, tu és o meu Deus e eu  te busco intensamente" (Sl 63:1 - NVI) . Ou seja, Deus é sempre o meu Deus, pois sempre o vejo de forma diferente e nova, pois ele se revela para mim sempre de forma diferente e nova. Eu sempre me relaciono com ele a partir das minhas vivências, a partir daquilo que me ensinaram. O meu Deus só passa a ser "pai nosso" quando encontramos alguém que o vê parecido como nós o vemos. Quando somos inseridos em um cultura que nos diz que "deus é assim". Deus nunca é igual para mim e para o outro, mas é parecido. Deus é sempre uma experiência particular que toma sentido a partir do outro.

A segunda, e talvez a definição mais simples, é a de João que afirma que "Deus é amor", (I Jo 4:8) ou seja, Deus é sempre incompleto, pois o amor é sempre incompleto, sempre está pronto para se doar, para abrir concessões, para se expandir, o mesmo penso eu a respeito de Deus. Deus é este inominável que se mostra a partir do amor ao próximo, que se mostra no amor à terra, que se abre ao outro se doando sem nada esperar receber. Talvez por isso a definição mais simples seja a mais complicada no final das contas. Daí talvez que as diversas formas de enrijecer a imagem de Deus seja sempre uma espécie de atentado à liberdade do amor que se encontra em todos. 

Por isso que Deus é sempre meu Deus, mas ao mesmo tempo é sempre "Pai nosso" que é visto sempre em pequenos traços, mediado pelo meu contato com o próximo a quem sempre posso levar amor fazendo com que Deus se mostre para o outro de forma sempre nova. 

No final então, nem o juiz, nem o general,  mas apenas um grande outro que se revela sempre de forma nova dando sentido à existência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário