terça-feira, 4 de julho de 2017

A noção de infinito em Giordano Bruno




O tema do infinito é por si só muito grande para ser tratado de uma forma geral, e acredito que nós como seres finitos, não poderemos nunca ter uma concepção certa a respeito deste tema. A discussão sobre o infinito é um tema bastante antigo e vemos a referencia a este tema desde os poemas de Homero e Hesíodo. Alguns filósofos também trabalharam a questão do infinito em seus escritos, e todos eles buscaram conceber a ideia de infinito dentro de um contexto que lhes eram inerentes. 

Vemos que o tema do infinito permeia toda a história da filosofia; desde os primeiros escritores gregos até os dias de hoje. No entanto a concepção de infinito que mais perdurou foi a ideia Aristotélica de que o infinito coincidiria com o vácuo. “Tudo aquilo que existe tem um lugar” afirmava Aristóteles. Portanto a concepção de algo pudesse existir sem ter em si um lugar era algo inconcebível dentro do contexto do renascimento. A visão que perdurava era a de que o universo era algo que continha todas as coisas e que não era contido por nada. Seria portanto como um vaso que contém várias coisas dentro dele, mas ele mesmo não é contido por nada.

Durante o renascimento o tema do infinito também gerou muita discussão, e levou vários filósofos à morte, dos quais o mais conhecido é Giordano Bruno. Giordano Bruno apresenta uma dura crítica à posição Aristotélica sobre o infinito. Tentarei neste pequeno texto expor as idéias de Giordano sobre o infinito e considerar em que aspectos ela se difere da posição Aristotélica.

Giordano, começa seu texto sobre o infinito colocando as posições que estavam em discussão em seu tempo. Como que o universo pode ser infinito ou finito? Por meio de quatro amigos que irão discutir o assunto Giordano coloca a sua posição sobre o infinito.Giordano acreditava que o infinito existia, ao contrário do que pensava Aristóteles, mas ele não poderia ser percebido pelos sentidos mas somente pela razão; os sentidos serviriam apenas para estimular a razão pois a verdade não está nos sentidos. Segundo Aristóteles, o mundo se encontra em si mesmo, e não em algum lugar, sendo assim, o mundo se encontra em lugar nenhum.

Giordano acreditava que fora do convexo do primeiro céu, deveria haver alguma coisa aonde o mundo estaria subsistindo. Giordano coloca que, se o mundo se encontra em Deus, fica da mesma forma difícil de explicar como que uma coisa que não é dimensionada pode estar contida em algo não dimensionado. É interessante, que a questão que se coloca aqui, é uma concepção aristotélica de que aquilo que existe tem obrigatoriamente que ter um lugar, escapando assim da noção de vácuo. O que Giordano coloca em questão é que o mundo não necessariamente precisa estar contido em algum lugar, supondo a existência de um vácuo, onde esse mundo estaria existindo. 

“É ridículo afirmar que alem do céu não exista nada, e que o céu existe por si mesmo.” ².

Essa frase expõe a posição de Giordano sobre o a condição do mundo; O problema exposto por Giordano consiste no fato de que provar o que está dentro, não prova que não exista nada do lado de fora. Giordano coloca a questão do vácuo em xeque quando coloca que ao admitir que além do convexo do primeiro céu não há nada, isso implica em aceitar um vácuo que seja informe e limitado deste lado em que se encontra o universo. Cai-se no mesmo problema, pois como que o vazio pode conter um corpo continente?

Essa pergunta se refere ao conceito aristotélico, de que aquilo que existe, só existe se estiver em algum lugar. O que Giordano coloca é que se eu afirmo que fora do mundo existe o nada, e no nada, qualquer coisa pode existir, pode haver outros planetas iguais ao nosso. O que Giordano diz nesta altura do diálogo é que o vácuo não tem como repelir nem receber um planeta, sendo assim a nossa razão tem como conceber a ideia de um universo infinito com outros planetas que lhes são subjacentes. A discussão agora se coloca na questão da plenitude do universo. Se assumirmos que ele é auto-suficiente pelo fato de fazer o que precisa, é bastante razoável que o universo seja pleno. “Onde não existe nada, nada lhe pode ser contrário” ³ . Giordano coloca aqui, que esse mesmo mundo que existe neste espaço o qual estamos chamando de perfeito, poderia existir em outro espaço, que se fosse o qual, também o chamaríamos de perfeito. O nada portanto dá essa amplitude de poder colocar tudo dentro dele. Sendo assim Giordano conclui que “O universo será de dimensão infinita e os mundos serão inumeráveis”.

Feito essa asserção sobre o infinito das coisas corpóreas, começa-se a discutir a noção de Deus, dentro desse contexto de infinito. É importante ressaltar que a visão tomista de diferenciação entre infinito, absoluto era aceita. Segundo o tomismo Deus não poderia ser infinito pelo fato de no infinito sempre se pode acrescentar algo, dando a ideia de uma coisa imperfeita; e em Deus não pode ser concebida a ideia de imperfeição. Giordano afirma que é necessário que para a forma divina haja um simulacro infinito no qual todas as coisas infinitas existiriam nele. Há aqui um indício da discussão que tomaria um rumo mais analítico no século XX, que é a teoria dos conjuntos infinitos, que conteria infinitas coisas dentro do sistema. Uma discussão interessante sobre o tema pode ser encontrado no livro "Lógica dos mundos" de Alain Badiou.

Giordano afirma que assim como existem vários graus de perfeição para explicar a excelência divina, assim também deve haver infinitos animais, que para os conter seriam necessários infinitos mundos, e como conseqüência um espaço que seja infinito, o qual é contido dentro de um ser divino que também deve ser infinito. Percebe-se assim uma teia onde ilustra um conjunto de conjuntos infinitos. Não podemos dizer que esse mundo poderia ser considerado perfeito dentro da esfera que ele mesmo alcança, pois possui uma certa perfeição das coisas. Este conceito, Giordano afirma que podemos dizer, mas não podemos provar, pois não temos conhecimento sobre os outros mundos, para dizer que aquilo que temos aqui seja realmente o que há de perfeito. Com essa argumentação Giordano acaba com a noção de lugar como concebida por Aristóteles e seus discípulos. A noção de mundo como algo que contém todas as coisas e não é contido por nada é totalmente descartada por Giordano.

O argumento de Giordano passa para a esfera do religioso, e a ideia de Deus surge a partir desse ponto da discussão. O universo infinito é tido aqui como fruto de um ser infinito que o fez assim pelo fato de ser melhor do que faze-lo finito. O argumento de Giordano se pergunta por que Deus faria o universo finito sendo que ele poderia te-lo feito infinito, uma vez que para a divina potência que pode fazer todas as coisas, o fazer infinito ou finito é a mesma coisa. Por que Deus preferiria limitar sua magnitude ao criar algo finito e não expandi-la, mostrando assim ser um pai fecundo, gracioso e belo?

A potência divina tem, portanto, a necessidade de criar novos mundos para escapar do vácuo. O que é infinito não pode fazer outra coisa senão aquilo que faz, e isso que faz é infinitamente pré estabelecido. Após essa discussão que foi brevemente tratada aqui, passo a discutir agora a noção de primeiro princípio que move as coisas e que é uma discussão antiga que vem desde os pré-socráticos e foi tratada também por Aristóteles, o qual concebeu a idéia de primeiro motor.

Segundo Aristóteles, esse primeiro motor seria aquilo que move o mundo e não é movido por nada. O que Giordano coloca em questão é que o primeiro motor não move o universo, mas sim que ele dá o poder ao universo para que ele se mova pela sua própria alma. O universo então possui dois princípios ativos de movimento: um que é finito que age segundo a razão e o outro infinito que age segundo a razão da alma do mundo.
Neste pequeno esquema do texto de Giordano Bruno, podemos dizer que o infinito como concebido por ele, é uma necessidade de ordem divina e de ordem lógica, pois o universo finito seria uma afronta a ideia de um Deus infinito que cria coisas conforme ele quer. Limitar o universo é limitar o poder de Deus, o que é algo inconcebível dentro do contexto social do renascimento onde Giordano está inserido. Por causa dessa afirmação de outros mundos, universo infinito, e demais coisas é que Giordano Bruno foi morto em 1600 pela igreja queimado em uma fogueira.

O texto de Giordano Bruno, caso queiram ler pode ser encontrado na seguinte edição: 


BRUNO, Giordano- Os Pensadores : Sobre o infinito, o universo e os mundos. Pag. 17 Tradução de Helda Barraco, Nestor Deola, Aristides Lobo – 2ª edição- São Paulo – Abril Cultural, 1978.