segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Platonicamente: Retratos de um nada




Eu acabo que me sinto meio bobo escrevendo para você sabendo que provavelmente não terei respostas dos emails, ou das cartas que poderia enviar, ou das mensagens que poderia escrever, ou qualquer outra forma de comunicação que eu pudesse tentar. 

Não sei porque insisto em seguir escrevendo, continuo pedindo notícias, continuo tentando me fixar em algum pequeno sinal dado de 3 em 3 meses quando por algum acidente alguma resposta chega. É como se por algum motivo eu tentasse manter viva a esperança de que em algum momento seríamos capazes de voltar a experienciar nossos momentos, que seríamos capazes de reviver tudo aquilo que vivemos, mas por algum motivo não fomos capazes de persistir. Ou melhor, você não foi capaz de persistir, afinal, eu persisto até hoje como quem ficou preso a um passado que paradoxalmente não pode a ele retornar. 

Fui eu que me prendi a você em tempos idos e agora não consigo mais deixar de experienciar a perda a que fui submetido. Talvez desse sentimento de negação de uma perda, e apenas daí, eu tire uma pequena gota de esperança que me move em direção a uma tentativa de reencontro. Mas qual o sentido de negar um fato consumado, experienciado, traumático como esse? Se o mundo da vida se impôs de maneira tão fulcral, porque insistir em manter uma esperança vazia? O que isso poderá trazer senão apenas mais sofrimento? Em que medida se agarrar ao passado fará surgir perspectivas novas? 

Ah se pelo menos eu tivesse a resposta para essas perguntas... Se por algum motivo eu vislumbrasse algum tipo de saída possível para essa situação... Quem sabe assim eu não seria um pouco mais feliz? Um pouco mais animado com a vida? Menos depressivo? Quem sabe eu até poderia me engajar em outras empreitadas que envolvem uma outra pessoa e finalmente esquecer tudo o que você representou para mim... 

Infelizmente, como todo neurótico, me agarro às fantasias do passado e platonicamente imagino momentos em que nada é diferente, e que por ser assim, tudo se torna diferente. Imagino o que seria de nós se por algum motivo você não tivesse decidido ir e me deixado sozinho; penso em que medida não poderíamos agora celebrar bons momentos, experienciar novas coisas, reviver outras... Tudo poderia ser tão aprazível novamente...

No lugar disso resta  um grande vazio potencializado pela ausência de notícias. Resta uma distância intransponível que mesmo se nos encontrarmos algum dia penso que será irremediável e não por minha causa. Não, não por minha causa, mas novamente por sua e apenas sua causa. A raiva que isso me traz várias vezes me consome e me pego tentando lhe desejar mal, mas sem conseguir. Mas nem por isso guardo rancor, nem por isso te aprecio menos. Apenas tento entender o porquê de tamanha distância, o porquê de tanto ostracismo. Enquanto não compreendo, sigo enfrentando os trabalhos e os dias tentando esquecer, mas sabendo de antemão que não conseguirei cumprir tal tarefa...

E tudo isso ocorre sem que você ao menos saiba disso, e talvez isso seja o mais angustiante...



terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Dostóievski e a Graça







"- Ter pena! Por que haviam de ter pena? - exclamou, de repente, Marmieládov, levantando-se de mão estendida, tomado de uma firme exaltação, como se estivesse apenas à espera daquelas palavras. - Mas por que teriam pena de mim? Digam! É assim mesmo. Não há motivo. O que devem fazer é me cravar numa cruz e sem pena de mim. E então eu mesmo irei procurá-lo para sofrer o suplício, pois não é de alegria que tenho sede, mas de tristeza e de lágrimas! 

Imaginas tu, taberneiro, que esta meia garrafa me trouxe a felicidade? Sofrimento, o sofrimento é que eu procurava no fundo dela; tristeza e lágrimas, e encontrei-as, realmente; quanto à piedade, há de ter piedade de nós Aquele que de todos se apiedou e tudo compreendeu; Ele, que é o amigo e também é o juiz. Nesse dia Ele há de aparecer e perguntará: "Onde está essa pobre moça que se vendeu por uma madrastra má e tísica e por umas crianças que lhe são nada? Onde está essa pobre moça que teve compaixão pelo pai, bêbado inveterado, sem se assustar com seu embrutecimento?" E depois dirá: "Anda, vem cá! Eu já te perdoei uma vez. Já te perdoei uma vez. Perdoados sejam agora os teus muitos pecados, porque amaste muito." [...] E há de julgar a todos e a todos perdoará, tanto aos bons como aos maus, aos prudentes e aos pacíficos... E depois de julgar todos, se inclinará também para nós: " Vinde cá", dirá, "vós outros, também, vós os bêbados, vinde cá, desavergonhados; vinde cá, porcalhões!" E nós nos aproximaremos, sem nos envergonharmos, e nos deteremos. E ele dirá: "Meus filhos! Imagem bestial é a vossa e tendes a sua marca; mas aproximai-vos também." E intervêm os castos, e intervêm os prudentes: "Senhor! Mas vais admitir estes também?" E ele dirá:
"Pois eu os admito, ó castos! Aqui os acolho, ó prudentes! Porque nunca um só deles se julgou digno de tal mercê..." E nos estenderá as suas mãos, e nós nos entregaremos nelas e romperemos em pranto e compreenderemos tudo... Então, havemos de compreender tudo! E todos hão de compreender... [...] Senhor, venha a nós o vosso reino..."


DOSTOIEVSKI, Fiodor. Crime e Castigo. 2008 p. 33-34