quinta-feira, 11 de junho de 2015

O momento da precariedade



A morte de uma pessoa querida sempre traz extrema tristeza aos nossos corações. Como não lembrar dos bons momentos vividos, das conversas, das inúmeras vezes em que aquele que se foi se fez presente, das inúmeras vezes em que encontramos auxílio para nossas angústias nas palavras tenras e amorosas, etc. A pessoa querida que se vai sempre leva consigo muito de nós. 

Dependendo do grau de proximidade parece arrancar até mesmo metade de nós mesmos. É como se alguém dilacerasse metade do nosso corpo a ponto de restar apenas a dor de uma existência por enquanto precária que precisa se recompor para que o mundo continue existindo para nós de forma digna a ser vivida. Nessas horas o pensamento voa em direção às possibilidades diversas, em direção a uma busca de uma explicação para suportar a dor da falta, em busca de um consolo para nos acalmar diante de tamanha ausência de sentido para as coisas. 

A morte quando vem de repente traz consigo toda a precariedade da vida. Ela mostra para nós que somos como uma neblina que passa, como um mero sopro sem muito sentido que hoje existe e amanhã não mais. A morte nos coloca diante da vida de uma nova maneira, nos faz perguntar pelo sentido das coisas, pelo sentido da vida, pelo sentido da própria morte. Como não se colocar essas questões diante desse fim inexorável de todos nós? 

A tentativa de viver uma vida indiferente, uma vida voltada para o momento, uma vida "cool" perde o sentido nesses momentos. A morte nos coloca diante de nós mesmos de forma crua, sem rodeios, sem a possibilidade das máscaras sociais que colocamos todos os dias. Diante dela somos apenas nós mesmos sem a possibilidade de fingimento. A dor que a morte traz, as lembranças que ela suscita, as questões que ela coloca não são passíveis de respostas indiferentes, não são passíveis de um agir "cool".

Nessas horas acredito que a fé desempenhe um papel fundamental. A fé se coloca como uma tentativa de organizar esse momento o colocando dentro de um universo de sentido. Sentido esse várias vezes precário, mas que mesmo assim é de extrema ajuda para os que sofrem. Pela fé pode-se acreditar que a morte é apenas uma passagem para uma outra vida, que aquele que se foi continua conosco de alguma forma, olhando por nós, nos ouvindo, nos consolando, que sua ida significa alguma coisa ou até mesmo faça parte de um plano maior, com um sentido que cabe apenas a Deus saber qual seja. 
Nessas horas se lançar nas mãos de Deus confiando que Ele está no controle das coisas se mostra uma saída extremamente profícua. O Novo Testamento nos faz pensar algo nesse sentido em várias passagens e a noção de ressurreição se coloca aqui também de forma bastante forte.

Também pela fé pode-se acreditar que a morte é o fim de todas as coisas sendo que a lembrança é a forma de se manter vivo o indivíduo para alguém. O Antigo Testamento traz essa visão muito forte em livros como Jó e Eclesiastes. Os justos serão lembrados durante os anos enquanto os ímpios são esquecidos facilmente. Enquanto há lembrança há vida e isso é realmente uma boa forma de experienciar esse momento doloroso que a morte traz. 
Pela fé pode-se acreditar em reencarnações sucessivas, numa integração do ser com o universo e várias outras possibilidades, mas em todas essas interpretações há a tentativa de organizar o mundo, buscar um sentido para a precariedade da vida e isso nunca é uma tarefa fácil.

Epicuro no seu tetrapharmakón (4 remédios para o bem viver) afirma que o segundo remédio tem a ver com a morte, ou seja, o homem sábio não deve temer a morte, pois ela é um processo natural, é mera desintegração de átomos que seguem o curso natural das coisas, por isso todo encontro com a morte é impossível, pois segundo ele, enquanto nós existimos a morte não existe, e quando ela passa a existir, nós já mais existimos, por isso não deveríamos nos preocupar com ela. Por mais interessante que o argumento de Epicuro seja, ele só da conta da minha própria morte, mas ela não dá conta da morte do outro. Posso não temer a minha morte, mas como lidar diante da morte do outro que deixa toda a sua falta? O materialismo de Epicuro é incapaz de se sensibilizar com esse problema e talvez por isso seja de pouca valia para os momentos de dor. 

Sou contra aqueles que na tentativa de racionalizar tudo ignoram o efeito tranquilizador que a atitude da fé do indivíduo revela, ignoram o sentido que a ação de crer em algo traz para o sujeito, colocando isso apenas como uma fuga da realidade sendo que na verdade a crença do indivíduo traz para si um norte, um consolo diante dos momentos difíceis.  

Triste momento esse que vivemos nesses dias em que um querido amigo se foi. Compartilhamos a dor daqueles que são mais próximos e sofremos muito com eles. Nessas horas não tem muito o que podemos dizer para consolar os que ficam. Apenas podemos oferecer o nosso carinho, o nosso cuidado, as nossas lágrimas, compartilhar a dor, se fazer presente para o que for necessário, mas nunca haverá palavras no mundo capaz de dizer o que sentimos nessas horas. 

Para os que são mais próximos a dor dilacerante é muito maior, a ausência de norte é muito maior, a busca pelo sentido de tudo se mostra muito mais veemente e a dor se mostra várias vezes insuportável. Nessas horas não há manuais a seguir, não há regras a serem cumpridas, há apenas indívíduos que precisam lidar com a perda e reorganizar a vida sabendo que a partir de agora as configurações serão outras, os desafios serão outros. Acredito que se compartilharmos a dor o fardo será mais fácil de ser carregado e a nós enquanto amigos não há outro lugar que queremos estar senão ao seu lado, querida Lucy.

Vá em paz, querido Hud !
Fique em paz, querida Lucy !

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