sexta-feira, 27 de março de 2015

Uma simples despedida





Então vá. Viva feliz !

Muito bom saber que agora é capaz de caminhar por conta própria sem ninguém para te carregar nos braços.

Vá realizar os sonhos que deixou para depois, os objetivos que já poderia ter alcançados, mas que preferiu priorizar outras coisas antes.

Por favor apenas me guarde na memória. Me tenha por perto em seus pensamentos e lembranças. A minha felicidade é poder te ver feliz e desfrutando a vida em toda a sua beleza.

Não se sinta mal por isso. Viver é bom e por isso devemos aproveitar cada momento que temos.
Não se preocupe comigo.

Ninguém está te cobrando nada.

A ajuda que damos aos outros nunca é algo a ser contabilizado, é sempre gratuito sem exigirmos nada em troca.

Jesus certa vez nos disse que devemos ser como o sal que tempera sem aparecer. Sendo assim me considere como um possível sal que temperou sua vida em um momento difícil.
Guarde consigo o sabor proporcionado, os momentos vividos, as alegrias e as tristezas compartilhadas.

Que você seja feliz.

Saiba, no entanto, que sempre estarei aqui para você. Saiba que sempre que precisar de um ombro amigo ainda continuarei por aqui.

A partida várias vezes se torna inevitável, mas espero que vá sem culpa.

Se dependesse de mim penso que não me despediria jamais, afinal, sempre queremos que as boas companhias se façam sempre presentes. Mas ao mesmo tempo, esse despedir mostra um sinal de maturidade, tanto para mim quanto para você.

Me despeço então esperando te rever em breve.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Para que a escuridão não nos domine.





Que na realidade estamos todos sozinhos nesse mundo e que de alguma forma cabe a nós mesmos sempre lidarmos com nossas próprias questões é um fato um tanto quanto inquestionável para a maioria das pessoas. De uma certa forma isso não deixa de ser verdade, afinal de contas, somos sempre nós mesmos que sabemos o peso de sermos quem somos e fazer o que fazemos. Apenas a nós é dada a real dimensão do que suportamos e ninguém, por mais próximo que esteja é capaz de dar respostas que cabem apenas a nós mesmos responder.

No entanto, essa suposta solidão que nos assola pode sempre ser mitigada pela presença do Outro. Algo que a psicanálise nos ensina, e antes dela o próprio mito do jardim no Éden nos aponta é que o ser humano nunca é causa de si mesmo. Ele sempre é produzido e dependente de um outro em algum momento da sua vida. No mito do jardim do Éden, mesmo depois de se encher de trabalho, nomear os animais, cuidar dos jardins e etcs, faltava a Adão alguma coisa. Por mais que ele pudesse “ter domínio sobre tudo”, a ele escapava uma dimensão da qual nenhum domínio era possível. Ele carecia do Outro. Apenas esse Outro seria capaz de dar um sentido humano à sua vida. Quando o Outro entra em cena, Adão é capaz de se acalmar.

Gosto de pensar que esta relação vale também para o próprio Deus no relato mítico. Ele também precisa de um Outro para que sua vida de alguma forma esteja “completa”. Como alguns filósofos antes de nós já perguntavam: “Quem é Deus se não houver quem o adore?” Obviamente que Deus para ser Deus precisa existir por si mesmo, ou seja, ele teria que ser causa de si mesmo, mas algo espetacular no relato do texto bíblico é que o Deus bíblico nunca se coloca como absoluto, mas sempre como relação, ou seja, é um Deus que mesmo sem “precisar” diretamente de alguém para se constituir como Deus anseia por um Outro com quem possa em uma tarde “passear pelo jardim”.

A resposta da psicanálise também passa muito próxima da resposta proposta pelo mito bíblico. Para a psicanálise a vida humana também só ganha sentido quando o grito solitário do bebê é respondido pelo Outro. Massimo Recalcati nos diz que a vida sem resposta de um Outro é apenas um “grito na noite” que não encontra nada a não ser escuridão. Apenas quando esse Outro responde ao meu clamor é que esse grito adquire um caráter humano; apenas aí surge um sujeito, que só se constitui porque é marcado por essa resposta desse Outro.  O Outro traz uma resposta que humaniza o indivíduo. Ele agora percebe que sua vida não é um mero grito sem sentido na noite, mas é iluminada pela presença do Outro.

Obviamente que o Outro não é responsável por nós ou por nossas ações; somos sempre responsáveis por nós mesmos, mas algo interessante é que nunca podemos prescindir do Outro. A grande ilusão da nossa época é querer nos fazer pensar que podemos ser sem esse Outro, que podemos ser ens causa sui.
Ao mesmo tempo que somos responsáveis por nós mesmos e por nossas ações de forma que não podemos culpar o Outro pelo que somos, também somos sempre convocados por esse Outro a dar uma resposta a ele, de forma que não podemos existir sem a presença desse Outro. Dançamos entre a não-dependência-do-Outro incitada pela nossa época caracterizada pelo excesso de individualismo e narcisismo e a dependência-patológica-em-relação-ao-Outro que caracteriza em grande parte o sujeito hipermoderno que não quer se responsabilizar por nada nem por ninguém.

Em nosso mundo atual, hipermoderno, individualista, somos sempre levados a crer que nós somos totalmente responsáveis por nós mesmos, de que os nossos problemas devem ser resolvidos apenas por nós, afinal, ninguém tem nada a ver conosco e se fomos capazes de entrar no problema devemos ser capazes de sair dele com nossas próprias forças. Um senso de responsabilidade um tanto quanto distorcido que nos faz cair na ilusão de que não precisamos de ninguém (e às vezes até tomamos isso como uma obrigação, pois nos é ensinado por vários que depender do Outro é sinal de fraqueza), o que várias vezes nos impede de assumir nossa incompetência e nossa dificuldade em diversas situações.  

Compreender que não somos capazes de fazer tudo sozinhos é um passo importante que aponta para um grau de amadurecimento de nossa parte.  Sem esta compreensão corremos o risco de querer nos responsabilizar por aquilo que não o somos e não raras vezes ficaremos à mercê das frustrações que virão sobre nós quando depararmos com a nossa limitação. 


Nestas horas que o Outro pode aparecer de forma substancial em nossa vida. Esse Outro pode se mostrar como alguém que está disposto a carregar o fardo junto conosco, pode aparecer como alguém que será um ouvido atento mesmo sem ter todas as respostas, pode aparecer como alguém que será a companhia silenciosa que indica que não estamos sozinhos, pode aparecer como aquele que se preocupa, que sofre, que confia, que sustenta, que alivia, que acalma,  que acaricia, que chora, que ri, sem que isso em nada tire de nós a nossa responsabilidade pela situação, mas mostra que não estamos sozinhos para enfrentar o que nos assola. Abrir mão da presença desse Outro não é uma sábia decisão; e por experiência própria afirmo que se cercar desse Outro é o melhor que podemos fazer para que a escuridão não nos domine.