quarta-feira, 3 de julho de 2013

A igreja evangélica e o tabu do sexo antes do casamento.






Já há algum tempo que venho pensando em escrever algo sobre a tumultuada relação entre a questão sexual e o meio evangélico. Sei que muita coisa já foi escrita sobre isso, algo até com muito mais embasamento bíblico do que o que será exposto por aqui, mas mesmo assim achei interessante colocar minha opinião por aqui. 
Vários que me conhecem já sabem minha opinião a respeito do tema pois já falei diversas vezes sobre ele em conversas informais e discussões não tão informais assim.

A questão sexual é um grande tabú dentro da igreja evangélica. Pouco se fala sobre o tema na maioria das igrejas que conheço, e quando é falado algo sempre é frisado a questão normativa como tema principal. O importante não é esclarecer nada, mas apenas tentar mostrar o que é certo ou errado em relação ao assunto. 

No meio dos jovens a coisa ainda é pior. Na maioria das igrejas evangélicas, o que é defendido é que o sexo só pode ser feito após o casamento, embora não exista nenhum versículo bíblico que afirme este tipo de coisa. O versículo mais utilizados para justificar tal proibição sexual é aquele de Hebreus 13:4 "Venerado seja entre todos o matrimônio e o leito sem mácula; porém, aos que se dão à prostituição, e aos adúlteros, Deus os julgará." 

No entanto, como qualquer leitor pode perceber, este versículo não está fazendo nenhuma referência ao sexo antes do casamento, mas apenas "venerando" o matrimônio. Outra coisa digna de ser notada, mas que não se é, é que o "leito sem mácula" inclui também o casal casado "formalmente". O leito sem mácula implica uma união entre os dois onde não há mácula alguma. Sabemos de diversos casais que vivem juntos apenas por comodismo, que um não conversa com outro, que vão dormir brigados, chateados com o outro. Este versículo me parece ser mais para este tipo de situação do que aquele primeiro do sexo antes do casamento. 

Toda tentativa de legitimar o sexo antes do casamento como proibição por ordem divina acabam por perverter os textos bíblicos para interesses escusos. Alguns usam o versículo Mateus 19:5 que afirma que "então deixará o homem pai e mãe e se unirá a sua mulher", afirmando que o "ato de deixar pai e mãe", implicaria necessariamente o casamento, e só depois que ele poderia se unir à sua mulher. Além de não fazer sentido nenhum este tipo de "análise cronológica" do versículo, ainda se esquecem de uma parte, que eu considero ser a central no debate que é: "O que significa deixar pai e mãe? Poderíamos aqui falar da questão simbólica proposta pelo ensinamento do Cristo neste versículo, onde o lugar do pai e o lugar da mãe deve ser abandonado para que o filho possa surgir como ser independente, mas gostaria apenas de apontar na direção de que se formos olhar apenas a literalidade deste versículo (como várias igrejas insistem em fazer) deveria-se também proibir que filhos casados morem com os pais, ou na casa deles, ou no lote deles, não é? O mesmo versículo analisado cronologicamente permite imputar o jugo muito grande para quem "casa para não viver abrasado". 

Um outro uso não pouco comum é usar o texto de I Coríntios 7:2 onde Paulo fala sobre o matrimônio "Mas, por causa da prostituição, cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido". Mesmo Paulo deixando claro no versículo 6 que isto era mais uma opinião dele do que um mandamento, a carta de Paulo é tomada como bússola para a questão. A maioria das "análises" deste versículo insiste em colocar o sexo antes do casamento aliado à "imoralidade sexual", assim como justificar a prescrição de Paulo fora de todo contexto da época. 

Este a meu ver é um dos principais erros destas tentativas de legitimar uma instituição social que é o casamento a partir de uma ordem divina afirmando que o casamento enquanto instituição advém de Deus. Se quisermos ser bem honestos, vemos muito claramente que em nenhum lugar do texto bíblico Deus cria o casamento. Em nenhum lugar ele institui o casamento como "sacramento". O fato do relato bíblico dizer que Deus criou uma mulher para Adão não implica que Deus estava criando aí uma instituição, implica apenas a demanda do homem pelo outro. O outro era necessário para que Adão se humanizasse, talvez este seja um princípio interessante a se pensar no relato da criação. Eva não apenas como "mulher de Adão", mas Eva como "outro que humaniza Adão e é humanizado por ele". 


Se olharmos o próprio texto bíblico veremos que o "casamento" acontecia NO ato sexual. O ato sexual marcava o homem e a mulher como casados. Pelos textos bíblicos (principalmente no Antigo Testamento) seria impossível o sexo antes do casamento, pois o próprio sexo era o casamento. 

Certa vez um amigo meu me disse explicitamente dentro de uma igreja que ele estava casando para poder transar com a noiva dele. Achei muito estranho, mas não tivemos muito tempo para conversar. Qualquer pessoa sensata sabe que casar para poder transar é um motivo muito tolo para dar um passo tão sério como um casamento, mas a "pressão" na igreja evangélica é tão grande em cima dos jovens para "esperar o homem ou mulher certa de Deus", "se conservar puro", etc que acaba levando muitos, mas muitos jovens a optar pelo casamento como forma de satisfazer suas pulsões sexuais urgentes. E o que acontece na maioria destes casamentos? Passa-se alguns anos, eles se separam e os traumas são várias vezes enormes. 

Não se oferece saída para os jovens, adolescentes para lidarem com sua libido. Ou ele casa, ou ele tenta de alguma forma sublimar sua libido participando do louvor, teatro, reunião de oração, etc, uma vez que a masturbação também é visto como pecado. Não resta alternativa para o adolescente ou o jovem dentro desta perspectiva evangélica em relação ao sexo. Tudo isto embasado em uma noção de santidade que muito me espanta pois vê quase tudo que vem do corpo como algo digno de ser rejeitado, como algo menor, impuro por definição. Um platonismo/agostinianismo que permeia toda uma dicotomia entre corpo e alma, onde esta deve ser purificada e a aquele deve ser preso entre cadeias de barras grossas. 

Consigo entender que este tanto de proibição tem como finalidade fazer com que o jovem, adolescente foque sua libido em outras coisas, etc. Em vários casos acredito que isso possa ser até bastante válido, no entanto tentar justificar isto como ordenação divina, citando textos bíblicos esparsos e sem muita contextualização, a meu ver é um uso perverso da Bíblia. 

Por que não se investe em uma educação sexual de qualidade dentro da igreja, de forma a ensinar o jovem, adolescente a lidar com suas pulsões sexuais e não tentar apenas coibí-las por meio de um discurso vazio de santidade? O silêncio da igreja evangélica sobre o tema indica um grande problema, pois esta negação da fala coloca em evidência os diversos tabus sobre a questão no meio evangélico.  

Podemos notar aqui também uma dinâmica muito hipermoderna que é o próprio fato da família se eximir desta função social da educação. No mundo onde todo tipo de informação está disponível muito facilmente, a maioria das famílias acaba por deixar que a informação sexual venha por outras fontes tais como a escola, a igreja, etc. Abre-se mão da responsabilidade de ensinar os filhos, e isso torna-os presas fáceis dos discursos tanto legalistas (advindos de várias igrejas) quanto "libertinos" (advindos muito da sociedade hipermoderna que cria a ilusão de uma liberdade sem limites). 

Para mim, a principal questão em relação ao sexo é sempre a questão do amor. E acho que este ponto acaba se tornando o principal, até mesmo dentro do relato bíblico. O que torna a união sexual, a meu ver, algo de um valor especial (o que faz também ela se recobrir-se de tabus) é quando o ato sexual é a manifestação de duas pessoas que se importam uma com a outra e que se está disposto a se responsabilizar pelo outro, afinal o amor sempre envolve responsabilidade para com o outro. Neste sentido, se o sexo acontece entre duas pessoas que se amam, que estão dispostos a se responsabilizarem um pelo outro, então, a meu ver é completamente indiferente o fato de estarem ou não casadas. 

Sei que este meu discurso soa muito "demodè" para uma sociedade onde o sexo perdeu o seu caráter de união e virou mero império de um gozo que Lacan chamaria "gozo mortal", um gozo que só se importa consigo, altamente narcísico, onde a dinâmica do outro some do cenário, e o corpo é apenas um objeto a ser usado para obtenção de prazer.

Também não ignoro que algumas pessoas consigam fazer a substituição do sexo sublimando isto por meio de leituras do texto bíblicos, envolvimento com outras atividades, orações etc. Várias igrejas fazem um esforço hercúleo para driblar os desejos sexuais dos jovens e adolescentes.  Acredito que seja possível e várias vezes muito mais benéficas para o sujeito que uma relação sexual. A meu ver, a relação sexual demanda uma certa maturidade para que seja feita de forma saudável para ambos os participantes. 

O ponto que gostaria de ressaltar aqui é que para tentar justificar a proibição do sexo antes do casamento por meio do texto bíblico várias vezes se faz um uso perverso do texto, forçando alguns, deixando de fora pontos muito mais importantes na dinâmica relacional em nome de uma fixação na proibição do sexo.

Queria fazer uma análise de todos os versículos utilizados para "proibir" o sexo antes do casamento, mas ainda não tive tempo para tal, quem sabe em outros posts aqui no blog?