domingo, 13 de janeiro de 2013

Dissimulando...






Sim, eles sabiam que algo não estava bem. Que o passado tão belo de cumplicidade, compartilhamento, risos e esperanças já não mais existia, ou se existia já não era nem de longe o que costumava ser. No entanto, eles fingiam que nada acontecia. Levavam a vida como qualquer outro casal. Na monotonia do dia-a-dia vivendo seu compromisso já sem muito sentido.

As conversas antes tão profícuas foram substituítas por mensagens de celular. Eles tiham amigos mais interessantes no Whats app, no facebook, nos inúmeros jogos online que faziam com que os momentos juntos fossem facilmente transformados em mera presença física. A vida online se tornou mais interessante que a offline, e isso é sempre um perigo para a vida offline.

Tá certo, um precisava do outro, já tinham se acostumado com a presença do outro. Já fizeram muitas coisas juntos, não queriam perder também o resto da cumplicidade que tinham. Eles tinham bons momentos que às vezes compensavam, mas no geral a coisa não estava boa. O diálogo sobre a situação sempre era adiado, afinal ningúem queria tocar na ferida e revelar coisas não tão belas e amáveis assim. E por isso eles viviam como se nada estivesse acontecendo. Às vezes algo de ruim acontecia e exigia o apoio mútuo. Nestes momentos o amor reacendia, a cumplicidade reaparecia, mas era só a coisa resolver e tudo voltava a mesma monotonia de outrora.

Será que um relacionamento pode ser alimentado apenas por tragédias? Será que elas serão sempre necessárias para as coisas persistirem por mais 6 meses? E se for assim, o casal torcerá pelas tragédias? Quererá que elas aconteçam sempre? Faz muito pouco sentido.

Alguns momentos felizes desviavam a atenção para o que importava. Por isso eles sempre procuravam os momentos felizes capazes de dissimular aquela situação.

"Quem sabe se repetirmos ad infinitum pequenos momentos felizes não faremos nossos problemas mais sérios desaparecerem?" - Eles pensavam -

Obviamente, ambos sabiam que isso não funcionaria, eles sabiam que o seu destino, se nada fosse feito, seria a dissolução daquilo que parecia tão sólido. Apenas os amigos mais próximos sabiam disso, mas nem estes amigos se atreviam a tocar no problema, afinal a ignorância demonstrada pelo casal dava um ar de esperança para os próximos, e os próximos gostariam que eles permanecessem juntos mesmos sabendo que o fim provavelmente já estava a caminho.

Ah vida infeliz daquele casal !

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Diante da fadiga





Diante do caos que assola o homem, o que pode ele fazer exceto esperar?
O que lhe é dado como alternativa diante daquilo que não se tem controle?

Quando há uma esperança de algo, que seja apenas uma mero fio de luz no fim do túnel, ainda cabe a ele almejar algo que se concretizará, mas quando tudo some, quando aparentemente todas as portas fecham, tudo parece desvanecer em um labirinto sem fim.
Como quem cai infinitamente, da mesma forma as esperanças vão se ruindo uma a uma. Os planos antes tão firmes se desvalecem como quem não tem mais onde ancorar. Como em um túnel escuro onde só se dá voltas e mais voltas com o passar do tempo sem nunca sair dele, assim caminha esse homem que não vê perspectiva de mudança.

- "Você deve acreditar em Deus, confiar que Ele sabe o tempo de todas as coisas" - Dizem várias vezes os mais confiantes. Como bons estóicos que acreditavam que tudo estava nas mãos de uma razão universal e o melhor que fazemos seria submetermos a ela. Não que estejam errados, no entanto isso também não conforta, não resolve o problema dos que habitam o labiritno do qual não vêem saída.

Talvez seria mais fácil fingir que os problemas não são tão problemas assim. Fingir que faço o que é certo, fingir que acredito nesse avanço que todos afirmam esteja acontecendo. Tudo seria tão mais fácil. Mas feliz ou infelizmente não é assim. O poço escuro continua sendo o destino aparente de todos os que perdem a esperança nas coisas. O cansaço assola, a falta de esperança sobressai, a mente não pára, mas tudo infrutífero, nenhum pensamento conduz a um bom caminho, apenas a espera infindável diante de um futuro incerto.

E nesse cansaço infinito o homem caminha. Perto de todos, longe de todos. Ninguém vê que este homem enquanto sorri sofre esperando tal futuro incerto. Afinal, o mundo não pára, as necessidades economicas, sentimentais, espirituais continuam urgindo e ele nada consegue fazer para acalmar os demônios alheios nem mesmo os seus próprios. O que resta a ele senão continuar caminhando no caminho sem sentido que sua vida tomou? Tentar resolver os problemas na medida em que vão aparecendo? Viver como se a vida fosse só isso? O que resta a ele se não isso?

- Mas caminha para onde?
- Quer o quê ?

Em meio ao cansaço até as perguntas básicas não encontram respostas e resta só a escuridão de quem cai indefinidamente.


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Pequena reflexão sobre Eclesiastes 7:14






No dia da prosperidade goza do bem, mas no dia da adversidade considera; porque também Deus fez a este em oposição àquele, para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele. (Ec 7:14)


Não há dúvidas para qualquer leitor do texto bíblico que o Deus retratado ali é um Deus que exulta, um Deus que sorri, que olha com bons olhos para todos aqueles que se colocam diante dele com um coração sincero. Essa face de Deus visível ao homem nem sempre é enfatizada nos cultos nas diversas igrejas, mas geralmente se dá uma ênfase muito grande no "Deus que tudo vê" como um grande olho pronto para devorar àquele que não faz o que seria correto. 

Esquece-se que Deus é um Deus que ouve antes de ser um Deus que vê. Se pensarmos na criação como descrito no livro de Gênesis percebemos que Deus diz o mundo antes de vê-lo, só depois que a palavra é dita e ouvida, esse Deus vê que tudo é bom. Os ouvidos estão sempre atentos, mas não para procurar algo para nos incriminar pela boca, mas atentos à oração, esta prática tão cara à toda religião. Uma tentativa do homem entrar em contato com o divino, expressar-se como um ser capaz de mobilizar algo em Deus. Talvez aqui esteja uma grande limitação da doutrina da providencia divina. Se esta é verdadeira, a oração perde seu sentido. Se tudo está determinado, a oração não passa de mero dizer ao vento onde esperar uma resposta não faz o menor sentido. A voz que pede tem de volta apenas o silêncio de quem já tem tudo determinado.

Um dos textos que deixa essa face de Deus mais clara na minha opinião é o livro do Eclesiastes. O autor do texto enfatiza uma vida onde Deus se faz presente em todos os momentos da vida. Mesmo na vida caracterizada pela inutilidade é possível ver Deus agindo por meio das pequenas coisas. Mas não um Deus etéreo, distante, controlador, mas um Deus que celebra a vida, e vê nela um fim último. 

É sempre bom lembrar que no discurso do Eclesiastes não há a noção de ressurreição. O texto escrito por volta do século II a.C desconhece esse conceito, ou seja, o que impera na visão do Eclesiastes é a estrutura judaica de que a morte é o fim de todas as coisas. Depois dela não há nada a ser feito, e se é assim, a vida deve ser vivida da melhor forma possível, e Deus se fará presente de forma última na dinamica desta vida. 

O apelo do Zaratustra de Nietzsche "Amigos, mantenham-se fiéis a esta terra" é compartilhada pelo Eclesiastes que vê na vida terrena o lugar por excelencia da manifestação do divino. O divino que não se revelará como algo alheio e distante, mas se revelará na alegria exultante das coisas simples. Talvez daí seja possível ao Eclesiastes louvar a alegria depois de constatar a inutilidade das diversas obras que se fazem debaixo do sol e ao mesmo tempo afirmar que para o homem nada há melhor debaixo do sol do que comer, beber e alegrar-se 
(Ec 8:15). E se realmente é assim, resta ao homem viver a vida que lhe é dada por Deus da melhor forma possível, reconhecendo-O como aquele que não determina as coisas, mas permite que tudo aconteça da mesma forma a todos, quer ímpios, quer justos (e aqui vê-se claramente uma negação completa a toda doutrina da retribuição descrita desde o Deuteronomio segundo a qual Deus pune os maus e recompensa os bons), afinal "o tempo e o acaso ocorrem a todos" (Ec 9:15). 

O sábio para o Eclesiastes é aquele que percebe a dinâmica evidenciada acima, e então pode se alegrar no dia da alegria e no dia da adversidade ver que Deus fez tanto um quanto o outro, o que o faz perceber que "a realidade está bem distante e é muito profunda  (Ec 7:24) e, portanto,  nunca conhecerá de fato ela toda, nem mesmo todos os seu dias, mas percebe que nem por isso deve deixar de fazer sempre o melhor na única vida que lhe foi dada. A consciência da limitação permite se lançar na vida abertamente, e apenas quando a vida se torna um fim último é possível desfrutar a vida como graça, como dom gratuito, mesmo a vida permanecendo sem sentido.