sexta-feira, 21 de maio de 2010

Sejamos Homo Ludens






Foi-me feita uma pergunta sobre o que eu achava que Jesus quis dizer quando diz que "Se não vos tornardes como crianças, não podereis ver o reino dos céus".


Transcrevo a resposta que acabou virando texto...


Penso que ele quis dizer tanta coisa.
As crianças tem algo muito interessante que é o fato delas brincarem. As crianças brincam.

Elas tem consciência da precariedade da brincadeira. Quando elas vão brincar por exemplo de polícia e ladrão, elas armam o cenário, brincam, morrem, nascem de novo etc.

Quando o jogo perde a graça, o divertimento vai embora, elas simplesmente brincam de outra coisa. Desfazem o mundo criado por elas.

Nos adultos, isso não acontece, nossas brincadeiras se tornam sérias demais, não aceitamos que brincamos de bancário, funcionário público, programador... Não. A realidade é assim, nossa brincadeira se transforma naquilo que somos.


Brincamos e esquecemos que brincamos, e passamos a levar a coisa a sério demais. Nos identificamos com nossas brincadeiras e não vemos mais a precariedade delas.


Aquilo que é precário assume um status ontológico, não é mais um jogo, mas se tornou algo que "tem que ser assim", algo que não pode ser de outra forma. É claro que aí, o prazer já se foi há muito tempo, só restou a "frieza" da "realidade".


Algo muito parecido é o que Freud fala a respeito do princípio de prazer e o princípio de realidade. Esquecemos do prazer, dos desejos que nos movem, e ficamos apenas tentando nos "ajustar" à realidade que nos cerca e acaba por se impor.

E por que então não desfazemos o cenário que criamos? Por que não resolvemos brincar de outra coisa?

Porque achamos que isso não é possível, achamos que a coisa "tem que ser" da forma que é.
Esquecemos que fomos nós que, em algum momento, criamos esse mundo da forma que ele é, nós criamos esse cenário, senão nós, alguém antes de nós. Mas não podemos esquecer que ele foi criado pelo homem, e portanto pode ser desfeito pelo próprio homem. Não há um caráter ontológico na estrutura das coisas, elas são o que são porque o homem fez as coisas dessa forma. Se ele fizer de uma forma diferente, então a estrutura será diferente.

Penso que essa idéia é o que possibilita encararmos a religião como "constructo" e não apenas como "efeito" das coisas. Ela não é uma superestrutura advinda de uma infraestrutura econômica como queria postular Marx, ela é fruto do desejo do homem, e se aceitamos que o homem é um ser de desejo (como queria Freud), vemos que a religião se coloca como expressão do desejo humano, expresão do que há de mais belo nele.


Se entendermos que a realidade, tal como conhecemos, é construída por nós, veremos que o resgate da religião como expressão do humano se mostra como uma possível forma de transformar o mundo em um lugar novamente de prazer, onde o "brincar" novamente se fará notório. Seremos adultos que brincam, homo ludens como queria o Huzinga.


Acho que a frase de Jesus aponta nessa direção. Devemos perceber que, se o mundo é injusto, corrupto, etc, é porque o homem em algum momento o fez dessa forma, e, da mesma forma como ele construiu um mundo "jaz no maligno", cabe a esse homem também abandonar tal "jogo" e começar a construir o reino de deus.
Sejamos homo ludens. Pessoas que brincam.

Penso que esta é uma das coisas que Jesus quis nos ensinar quando disse "Se não vos tornardes como crianças, não podereis entrar no reino dos céus".

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